A decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder o status de refugiado ao italiano Cesare Battisti, condenado a prisão perpétua por ações terroristas que provocaram a morte de quatro pessoas, abriu uma crise entre o Brasil e a Itália. Em comunicado oficial divulgado ontem, o Ministério de Assuntos Estrangeiros da Itália (Farnesina) disparou uma ameaça velada à presença do Brasil na próxima reunião de cúpula do G8, em julho, na Sardenha.
Ao expressar sua "surpresa" e "pesar" com a decisão de Genro, a Farnesina censurou a atitude do Ministério da Justiça e informou que apelará diretamente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em favor de uma reversão da decisão de Genro. A tradução diplomática da crise e da insatisfação do governo italiano ficou caracterizada com a convocação pela Farnesina do embaixador brasileiro em Roma, Adhemar Bahadian.
O embaixador foi convocado pelo secretário-geral do Ministério italiano, Giampiero Massolo, por instrução do chanceler Franco Frattini. Em nota, segundo divulgado pela agência de notícias italiana Ansa, o governo italiano manifestou a "unânime indignação" de todas as forças políticas parlamentares do país com a decisão de Tarso Genro, assim como da opinião pública e dos familiares das vítimas dos crimes atribuídos a Battisti.
O governo italiano não tem dúvidas de que a decisão de Genro, que contrariou a recomendação do Comitê Nacional para Refugiados (Conare) e o parecer da Procuradoria Geral da União, teve caráter político. Mais explícito que a Farnesina, o subsecretário de Estado do Interior, Alfredo Mantovano, declarou que "a decisão do Ministério da Justiça brasileiro é grave e ofensiva". "O governo italiano não pode aceitar tal decisão. Em particular, por respeito às vítimas (de Battisti) e a seus familiares", afirmou Mantovano.
A decisão unilateral de Genro também desencadeou atrito dentro do governo. Ontem, o Itamaraty reconheceu que essa atitude gerou um sério e indesejável mal-estar nas relações Brasil-Itália, além de ter contrariado compromissos internacionais assumidos pelo País de cooperação no combate ao terror.
Integrante do Conare, o Ministério das Relações Exteriores havia se oposto à concessão de refúgio a Battisti, na reunião do comitê em novembro passado, e advertido seus pares sobre os impactos de uma decisão em contrário nos objetivos imediatos da política externa brasileira. "O Ministério da Justiça foi plenamente informado pelo Itamaraty sobre a preocupação da Itália com esse caso", informou uma fonte da diplomacia brasileira.
Em novembro passado, durante a visita do presidente Lula a Roma, o governo italiano havia insistido novamente para que o Brasil concedesse a extradição do foragido. O Itamaraty apostava no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), neste ano, em favor da extradição de Battisti.
G8
Expressa no comunicado oficial da Farnesina, a reação italiana atingiu em cheio a pretensão do presidente Lula de manter e aprofundar sua presença nos debates dos principais foros de governança mundial. Presidente do G8 neste ano, a Itália salientou que os países desse grupo e seus colaboradores, como o Brasil, "serão chamados a confirmar seu compromisso formal e a promover ações cada vez mais eficazes no combate ao terrorismo internacional".
A mensagem foi lida, no Itamaraty, como uma advertência de que Lula pode ser eliminado da lista de líderes chamados ao encontro anual de cúpula, entre os próximos dias 8 e 10 de julho. Mesmo que venha a ser convidado, tenderia a passar por uma constrangedora cobrança do governo italiano, caso o refúgio seja mantido.
Nos últimos anos, o presidente Lula esteve presente a essas reuniões, como membro do G5 (África do Sul, Brasil, China, Índia e México), e vem trabalhando pela incorporação definitiva desse agrupamento emergente ao G8 sob o argumento que daria maior consistência e legitimidade a esse mecanismo. A França o apoia.
Militante do grupo de extrema-esquerda Proletários Armados pelo Comunismo, ligado às Brigadas Vermelhas, Battisti participou de uma série de ações terroristas na Itália nos anos 70. Em 1993, foi condenado a prisão perpétua pela morte de quatro pessoas, com base no depoimento de um ex-companheiro. Uma de suas vítimas, Pierluigi Torregiani, de 44 anos, fez um apelo ontem ao ministro da Justiça italiano, Angelino Alfano, para que insista com o Brasil pela extradição de Battisti. Torregiani ficou paralítico em decorrência de um tiroteio promovido por Battisti em Milão, em 1977. Seu pai, o joalheiro Alberto Torregiani, morreu no incidente.
Assim como outros militantes de grupos armados italianos, Battisti foi favorecido por uma política do então presidente da França, François Mitterrand, que acolheu terroristas italianos que se comprometeram em abandonar a militância, nos anos 80.
Nas últimas duas décadas, na França, tornou-se escritor, com vários livros publicados pela editora Gallimard, e trabalhou como segurança. Com a eliminação desse benefício pelo sucessor de Mitterrand, Jacques Chirac, Battisti escapou para o Brasil por volta de 2004. Acabou preso, em decorrência de uma ação da Polícia Federal com autoridades policiais italianas e francesas, em março de 2007 em Copacabana.
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