segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Crise atinge produção de uvas no Vale do São Francisco


Os efeitos da crise econômica mundial na mesa das famílias americanas e européias já chegaram às cidades sertanejas de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA). Maior exportador brasileiro de uvas e mangas, o pólo agrícola do Vale do São Francisco sente os reflexos da menor demanda internacional por frutas. Produtores começam a demitir funcionários e até a fechar, temporariamente, as porteiras das fazendas.
A uva é a cultura que mais está sendo atingida. Segundo estimativas da Câmara de Fruticultura de Juazeiro, cerca de 10 mil pessoas envolvidas com as plantações de uva foram demitidas na região desde novembro. Isso representa quase um terço da força de trabalho fixa das fazendas de uva, que era de 30 mil funcionários até outubro passado.
Apesar de a atividade empregar 240 mil funcionários com as mais diversas culturas, a preocupação é que os cortes, atualmente concentrados na uva, possam se alastrar. "Sem vislumbrar melhoras, os empresários estão preferindo ser cautelosos e demitindo", explica José Gualberto, presidente da Valexport, associação de exportadores do Vale.
Por conta da queda de preço obtido nas exportações, que vem sendo superior à desvalorização do real, alguns produtores já desistem dos parreirais. Segundo o Valor apurou, uma das maiores fazendas da região, a Copa Fruit, estuda não mais plantar uva e dedicar-se apenas ao cultivo de manga. As terras, hoje ocupadas pelos parreirais, podem ser arrendadas. Questionado, o gerente comercial da empresa, Artur Cisneiros, negou a informação.
Na fazenda Terra do Sol, que só se dedica à uva, a opção foi por não mais produzir em áreas de baixa produtividade. "Os preços de hoje não sustentam mais isso", diz Antônio Pereira de Lucena, diretor da empresa. Segundo ele, os compradores dos EUA estão pagando em janeiro US$ 10 por caixa de uva (6 quilos), enquanto no mesmo mês de 2008 desembolsavam US$ 30. Na média, Lucena calcula que o preço este ano fique 30% inferior ao de 2008.
O Instituto Brasileiro de Frutas (Ibraf) admite que a situação é difícil no Vale do São Francisco e requer estratégias. "Estamos verificando o que podemos fazer em medidas emergenciais", disse Moacyr Saraiva Fernandes, diretor-presidente do instituto, sem ainda ter uma resposta à mão.
De acordo com o Ibraf, além da crise econômica mundial, a queda nos preços da uva e manga também foi resultado de um volume exportado maior que o projetado. Segundo dados divulgados nesta semana pelo instituto, o volume de uvas embarcadas pelo Brasil subiu de 79 mil toneladas em 2007 para 82 mil toneladas no ano passado, uma alta de 4%. No caso das mangas, o volume subiu de 116 mil toneladas para 133 mil toneladas, um aumento de 15%. Detalhe: Bahia e Pernambuco representam nada menos que 99% dos embarques totais de uva do país e 87% dos de manga.
Para Fernandes, a superprodução de uvas este ano na Califórnia também veio de encontro com a oferta brasileira e pode ter ajudado a complicar a situação para os produtores de Juazeiro e Petrolina. "É como ocorre com o suco de laranja. O Brasil não vende mais porque eles estão abastecidos".
Produtores que atendem o mercado interno não estão sentindo problemas. "Mas não dá para direcionar toda a uva e manga do Vale para o consumo local. Os preços também desabariam. Além disso, são frutas sofisticadas, que poucos brasileiros conseguem pagar o que ela vale", avalia Gualberto, da Valexport.
O problema já acendeu a luz vermelha nos gabinetes dos governadores da Bahia e de Pernambuco, que, juntamente com os agricultores, buscam soluções com Banco do Nordeste, Banco do Brasil e Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). O Valor teve acesso a uma carta enviada pelo governador pernambucano Eduardo Campos à Sudene, na qual propõe que as dívidas dos agricultores com o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste, vencidas em 2008 e neste ano, sejam renegociadas. Igual medida é sugerida pelos governos aos bancos. Pede-se ainda a concessão de novos empréstimos.
A interpretação do governo é que a crise é grave, mas que poderia ter sido amenizada se os exportadores tivessem diversificado um pouco mais a pauta, bastante concentrada em uva e manga. "Há diversas outras frutas que não estão sofrendo porque são produzidas em menor escala", afirma Fernando Bezerra Coelho, secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco.
A Niagro, produtora de acerola para sucos de Petrolina, não viu nem a demanda, nem os preços caírem. "Quanto mais valor se agrega, mais difícil é a entrada de concorrentes. Fazer polpas para o mercado internacional não é algo simples", diz Hugo Torres, diretor da Niagro, que tem como clientes os japoneses. Porém, sabendo do bolso mais apertado do consumidor, a empresa está mudando a forma de comercialização. "Em vez da polpa, estamos fazendo concentrados, que têm custo de transporte menor".
Valor Econômico

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