domingo, 29 de novembro de 2009

Escravidão do Usuário de Crack

O co­me­ço do vício é sem­pre pa­re­ci­do. Primeiro é o con­su­mo de ma­co­nha, de­pois vem a co­caí­na. O crack é o pró­xi­mo passo. Ele não es­co­lhe cor, gê­ne­ro, clas­se so­cial ou re­li­gião. Com poder avas­sa­la­dor, in­va­diu a so­cie­da­de, que­brou re­gras, trans­pôs li­mi­tes e es­cra­vi­zou mi­lha­res de pes­soas. Confira agora, nesta se­gun­da parte da série de re­por­ta­gens sobre o crack, todo o pro­ces­so que en­vol­ve o vício e suas con­se­quên­cias para o usuá­rio.

À um mês, o fun­cio­ná­rio pú­bli­co Pedro*, de 20 anos, já an­da­va es­tra­nho, che­gan­do tarde da noite, per­den­do o ho­rá­rio de seus com­pro­mis­sos no dia se­guin­te. Os co­bra­do­res de dí­vi­das che­ga­vam à porta da re­si­dên­cia, en­quan­to ele apre­sen­ta­va um com­por­ta­men­to mais si­len­cio­so, ca­la­do mesmo. Embora as mu­dan­ças fos­sem la­ten­tes, vis­tas a olho nu, o jovem ne­ga­va que pu­des­se estar ha­ven­do algo de er­ra­do. Em ver­da­de, aque­les eram in­dí­cios de um pro­ble­ma que saía dos no­ti­ciá­rios e to­ma­va a vida do jovem, de seus fa­mi­lia­res, e nin­guém na­que­le lar sim­ples con­se­guia en­xer­gar.

Na se­ma­na pas­sa­da, a em­pre­ga­da do­més­ti­ca Laura*, de 59 anos, ma­te­ria­li­zou um medo de mui­tas mães. Recebeu, de uma só vez, uma se­quên­cia de duras no­tí­cias. A pri­mei­ra ela ouviu, fe­chou os olhos e res­pi­rou fundo: o filho Pedro* havia per­di­do o em­pre­go. Com as mãos já tre­men­do, re­ce­beu a se­gun­da: ele foi fla­gra­do rou­ban­do no am­bien­te de tra­ba­lho. Com os olhos cada vez mais aper­ta­dos, as lá­gri­mas não re­sis­ti­ram ao úl­ti­mo dos fatos que lhe foram nar­ra­dos: seu me­ni­no es­ta­va sendo en­ca­mi­nha­do à po­lí­cia. O mo­ti­vo das fa­ca­das da­que­le dia era algo que ela ja­mais acre­di­ta­ria fazer parte da rea­li­da­de da sua casa: o en­vol­vi­men­to com crack. Gra­ças à boa con­du­ta do rapaz, não hou­ve pri­são.

O pri­mei­ro “tiro na lata” dado pelo uni­ver­si­tá­rio Francisco*, de 23 anos, foi por cu­rio­si­da­de, quan­do o jovem viu ami­gos fa­zen­do o mesmo em um bar no bair­ro da Cidade Universitária, no Recife (PE). Aos 19 anos, ele já con­su­mia ál­cool, ma­co­nha e fu­ma­va ci­gar­ro de ni­co­ti­na e, a par­tir dali, pas­sou a gas­tar de R$ 300 a R$ 400 com o crack, dia­ria­men­te. Afastou-se dos ami­gos e o sexo com a na­mo­ra­da virou uma mera obri­ga­ção.

Encontrar as pe­dras não era di­fí­cil para Francisco*, bas­ta­va uma li­ga­ção e o crack che­ga­va até suas mãos. Mas, para ga­ran­tir sua fonte de pra­zer, o di­nhei­ro pas­sou a ser pro­ble­ma. “Comecei a rou­bar, pe­ga­va da minha mãe mesmo. Ou então pedia a meu pai”. Embora tenha per­di­do muito peso à época - foram quase dois anos de uso - ele não acre­di­ta ter che­ga­do ao fundo do poço. “O que me fez sair da­qui­lo foi não que­rer ma­goar minha mãe, que é a coisa mais im­por­tan­te da minha vida. Um vi­zi­nho me de­la­tou a ela ao per­ce­ber a mo­vi­men­ta­ção de com­pra, mas hoje agra­de­ço a ele”. A fa­mí­lia de Francisco* o man­dou para uma clí­ni­ca fora de Pernam­buco, onde re­si­de. Ele ficou in­ter­na­do por um mês. (Folha de Pernambuco)

* Nomes fic­tí­cios

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