quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Mal-estar no Palácio do Planalto



Presidente do Senado diz na frente de Lula que MPs são iguais a decretos-leis da ditadura
BRASÍLIA - Em plena festa organizada pelo Palácio do Planalto para comemorar os 20 anos da Constituição, o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), causou mal-estar ao reclamar que o Congresso está "sufocado" pelo excesso de medidas provisórias editadas pelo governo. Na presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele comparou as MPs atuais aos decretos-leis que eram usados pelos governos militares para legislar.
"Não vou cometer a indelicadeza, já que sou convidado, de cobrar nada, mas creio que as medidas provisórias - me permitam - não têm nenhuma diferença dos efeitos dos decretos-leis da ditadura", afirmou, em discurso. "Posso estar sendo mal-educado, mas estou sendo autêntico, não sou hipócrita."
As queixas de Garibaldi ocorreram no mesmo dia em que o "Diário Oficial" publicava a MP 443, criticada pela oposição, que permite ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica comprarem bancos em dificuldades. Embora as reclamações do senador contra o que considera excesso de MPs sejam freqüentes, o Planalto recebeu com surpresa o discurso, feito num ato solene, quando estava sendo comemorado justamente o 20º aniversário da Constituição que criou o mecanismo das MPs.
O presidente do Senado fez a ressalva de que não defende uma nova Carta, e sim a regulamentação de pontos da atual. "Essa Constituição não merece outra no lugar dela jamais, ela é amada por todos os brasileiros", disse.
Da platéia, o ex-deputado constituinte Egídio Ferreira Lima saiu em defesa do governo, com um grito: "Eu discordo, é um erro de Vossa Excelência", disse, puxando alguns tímidos aplausos. O mal-estar aumentou. Num discurso logo depois, Lula não deu uma resposta direta às reclamações do senador nem demonstrou irritação com as palavras que remetiam aos anos da ditadura.
O presidente disse apenas que foi instituída na Câmara uma comissão presidida pelo deputado Michel Temer (PMDB-SP) para tratar da regulamentação de artigos da Constituição. "Nunca um governo atendeu tão rapidamente a um apelo, obviamente com a concordância do Arlindo Chinaglia (presidente da Câmara)", afirmou Lula, vendendo a proposta como se fosse do governo. Diante do olhar de insatisfação de Chinaglia (PT-SP), mais adiante, Lula corrigiu, ressaltando que se tratava de uma idéia do Legislativo.
Em entrevista depois da solenidade, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia reclamou que Garibaldi fica "bradando" ao invés de tomar iniciativas. Também se queixou do presidente Lula, que aproveitou uma idéia da Câmara para se promover. "O Lula viu que eu não estava ali para brincadeira, e no final disse que foi uma iniciativa da Câmara", afirmou.
"Essa nossa iniciativa é relativamente antiga, data do início do ano", completou. A comissão é presidida pelo deputado Michel Temer. O relator é o petista João Paulo Cunha (PT-SP), um dos envolvidos no escândalo do Mensalão. À época do regime militar (1964-1985), quando um decreto-lei era enviado ao Congresso e não era apreciado no tempo regimental, entrava automaticamente em vigor assim que vencia o prazo de sua votação e se transformava em lei. Dizia-se, na época, que era "aprovado por decurso de prazo".
Ainda no discurso, Lula lembrou de sua participação, como deputado e líder da bancada do PT, nos trabalhos de elaboração da Constituição, em 1988. "Eu nunca quis ser deputado. A única coisa que eu queria ser é constituinte. Por isso, quando terminou a Constituinte, eu fui embora, talvez com outras pretensões", observou Lula, que, em 1989, foi pela primeira vez candidato à Presidência da República. Ele comentou que a disputa eleitoral de 2010 será a primeira, desde a redemocratização do País, em que não concorrerá ao Planalto.
O presidente avaliou que a Constituinte foi um "momento de ouro" da história recente. "A Constituição pode ser ajustada no momento em que o Congresso achar adequado", declarou. "Se não foi a melhor, está para nascer uma Constituição melhor", completou. Participaram da solenidade ex-constituintes, como os ministros Nelson Jobim (Defesa), Hélio Costa (Comunicações), Edison Lobão (Minas e Energia), o atual deputado José Genoino (PT-SP), o ex-senador Mauro Benevides e o ex-deputado Genebaldo Correia, um dos "anões" da máfia do Orçamento. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, também estava presente à cerimônia.
Mico
A cerimônia de comemoração dos 20 anos da Constituição deverá causar uma baixa nos quadros do cerimonial da Câmara dos Deputados por causa do "mico público" que o presidente da Casa, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), foi submetido. Chinaglia chamou o presidente do Senado de José Garibaldi Alves, quando seu nome não tem o "José".
"Até o meu colega deputado Arlindo Chinaglia, que convive comigo todo dia, me chamou de José Garibaldi", disse o senador, provocando gargalhadas na platéia. "Ele está comigo todo dia e ainda me chama de nome errado", prosseguiu Garibaldi, em seu discurso de improviso, ao comentar que isso justificava ter ele trocado o nome do ex-deputado constituinte, Egídio Ferreira Lima, que o presidente do Senado chamou de Egídio Madruga. "Por que eu não posso cometer um equivoco com o nome do valoroso deputado Egídio Ferreira?".
Em seguida, o presidente da Câmara se levantou e foi onde Garibaldi discursava, para lhe provar que o erro era da ficha. "Ele veio me trazer o papel do cerimonial escrito José Garibaldi Alves Filho. Ele quer que eu bote a culpa no cerimonial", emendou, provocando mais risos, para profunda irritação de Chinaglia.
Ao final da cerimônia, Chinaglia procurou Garibaldi e, em tom duro, avisou: "estou tomando providências. Isso não vai ficar assim". Ouviu dele, um "deixa pra lá". Em seguida, Chinaglia desabafou, ao ser questionado por que estava brigando com Garibaldi: "Não estou brigando. Mas ele tornar público... foi uma situação desagradável. Eu mostrei pra ele, de forma reservada, e ele foi tornar público, dizer que eu mostrei que foi o cerimonial que escreveu errado. Eu estou só avisando a ele que vou tomar uma atitude e ele, agora, quer que eu não tome nenhuma... Dado que eu paguei este mico público, ele agora, vem me falar, olha, deixa isso pra lá.... Agora, não."





Tribuna da Imprensa




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