sábado, 1 de agosto de 2009

Duas décadas sem Gonzagão


Numa cadeira de rodas, Luiz Gonzaga subia ao palco do Teatro Guararapes no dia seis de junho de 1989, às 22h, para realizar aquele que seria o último show de sua carreira. Sofrendo de câncer de próstata e osteoporose, o Rei do Baião tentava somar forças para dar ao público que lotou o maior teatro do Centro de Convenções uma apresentação digna dos seus longos anos dedicado à revalorização da música nordestina e sua elevação ao patamar de relevância no cenário nacional.
Foi, porém, um show sofrível. Segundo a biografia assinada por Cida Carvalho, o Gonzagão travestido de couro e gibão em cima daquele palco já não era mais o mesmo. “Cansado e com progressiva perda de memória, já não lembrava sequer de “Asa Branca” um dos primeiros sucessos. Mas era visível naquele momento, a preocupação dele em falar, expressar sua gratidão aos amigos e ao povo que tanto admira”. Disse o cantor: “Meus amigos, terminou. Mas eu quero dizer algumas palavras. Agradeço ao meu querido amigo e professor Aldemar Paiva (grande parceiro musical de Gonzaga). Tem outros nomes que eu não vou esquecer nunca: Dominguinhos, Waldonys, Pinto do Acordeon e toda essa turma boa do Nordeste. Ninguém vai acabar com o forró. Não vai, porque essa é a música do povo”. Depois disso, o sanfoneiro caiu em lágrimas.
Dois meses depois desse show, mais exatamente no dia dois de agosto, às 5h15 da manhã no Hospital Santa Joana, no Recife, Luiz Gonzaga do Nascimento dava seu último suspiro. Velado na Assembleia Legislativa de Pernambuco, nos dias dois e três, ainda passando por Juazeiro do Norte, onde o avião que levava o corpo teve que pousar. O que chama atenção é que, de acordo com a biografia de José Fábio da Mota, não havia intenção de entrar na cidade do Padre Cícero. Mas a pressão do povo foi tão grande que eles se viram obrigados a velar o corpo de Gonzagão lá também. “Se o povo quer, o que podemos fazer?”, teria dito Gonzaguinha, que acompanhava o caixão do pai, no aeroporto de Juzaeiro.
Somente na noite do dia três o corpo chegou em Exu, sua cidade natal. De acordo com Fábio da Mota, “das centenas de coroas de flores que estavam espalhadas na igreja Bom Jesus dos Aflitos em Exu, oferecidas por fãs de Luiz Gonzaga, estava esta que o repórter Gildson Oliveira transcreveu a seguinte mensagem: ‘Amado Lula, o silêncio acende a alma. O País canta sua voz. Os pássaros se entristecem com a partida da ‘Asa Branca’, mas fica em nossos corações a sua história. E a nossa festa é esta. Quem crê em Cristo, mesmo que esteja morto viverá’”.
É na mesma crença de Oliveira que amanhã, Exu, Recife e todo o Brasil se curva para lembrar de Gonzagão no aniversário de 20 anos de sua morte. O professor e radialista José Mário Austregésilo, na sua dissertação de mestrado “Luiz Gonzaga, o homem, sua terra e sua luta”, analisa as transformações culturais e sociais que a obra do Rei do Baião incentivou. O radialista situa o surgimento do trabalho do autor de Asa Branca e de tantos outros sucessos, a partir da importância da ascensão da indústria radiofônica e da feitura e distribuição dos seus trabalhos através dos discos de vinil, onde Luiz Gonzaga conseguiu imprimir uma representação mais fidedigna do homem e do espaço nordestino, frente às ideias preconceituosas e mesmo caricatas da figura do matuto, que, no período, de forma generalista era denominado de “nortista”.
Luiz Gonzaga, à visão de Austregésilo, faz surgir um novo sentido para a representação do homem nordestino, superando muitos desafios, numa espetacular utilização de elementos lúdicos, a exemplo sua indumentária. Ora de cangaceiro, ora de vaqueiro, seu chapéu de couro e sua sanfona, aliando a tudo isso, também, uma rica e expressiva oralidade, dando nova significação à cultura produzida no Nordeste.


Folha de Pernambuco

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