segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Maldita realidade concreta


Sobre a necessidade de se considerar a realidade como ela é, e não como a idealizamos, já se disse e se escreveu muito. Dependendo do estado de humor ou do ambiente, se austero ou descontraído, tanto podemos citar Plekhanov, para quem se deve lutar “com as quatro patas assentadas na realidade” ou o amigo poeta e ex-companheiro de cadeia Marcelo Mário de Melo, que costuma dizer que o problema de uma certa esquerda atuante no país é justamente “a maldita realidade, que teima em mudar”.

O fato é que, quando se trata da política real, todo e qualquer comportamento apoiado tão somente em nossos desejos, por mais legítimos e meritórios que sejam, sem a devida consideração do curso objetivo dos acontecimentos, está fadado ao fracasso. Ou ao estéril doutrinarismo.

Nesses dias turbulentos em que a crise do Senado esteve (ou ainda está?) no centro de tudo, o PT virou saco de pancadas tanto de quem a ele se opõe frontalmente (as correntes de oposição), como de muitos que, embora permaneçam na área de influência petista (e de Lula) aproveitam a onda para sair bem na foto.

Tem de tudo. Desde a tese de que Sarney terá se tornado o divisor de águas entre o PT “ético” e o PT “pragmático”, até os que – como o Frei Beto, em sua breve passagem pelo Recife – chegam a cobrar do presidente a responsabilidade por não ter erradicado a pobreza nem realizado reformas fundamentais.

Não se trata de contestar as boas intenções do religioso amigo de Lula, nem medir a dimensão do seu desencanto com o Partido dos Trabalhadores. Mas é preciso sublinhar que acabar com a pobreza no Brasil é empreitada que extrapola em muito os limites do governo, pois reclama transformações de caráter estrutural. E as reformas – diria cá com meus botões de militante do PCdoB -, sejam elas a seis essenciais e urgentes (agrária, educacional, tributária, urbana, política e da mídia) dependem muito mais do que da vontade e do poder de fogo atual do presidente.

Na verdade, reformas dessa envergadura só se viabilizam com uma inversão na correlação de forças ora existente na sociedade brasileira. Ou seja, o estado em que se encontram as forças políticas e sociais que as desejam; as forças que a elas se opõem; e o grau de adesão da maioria da população. Esse é um dado da “maldita realidade concreta” que não podemos abstrair, sob pena de não sincronizarmos desejos com possibilidades e de desconhecer a variável acúmulo de forças por parte dos que querem efetivamente avançar nas reformas.

Muitas das dificuldades atuais que limitam o governo Lula repousam precisamente na dita correlação de forças, que impele o PT a priorizar a aliança com o PMDB para assegurar a governabilidade e a maioria eleitoral necessária em 2010. E alterar a maldita realidade concreta.

Mudar isso exige mais do que opiniões difusas, exige muito trabalho cotidiano para elevar o nível de consciência e de organização do nosso povo – fator decisivo para alterar a correlação de forças numa direção mais avançada.

Por Luciano Siqueira, ex-vice prefeito , vereador do P C do B em Recife

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