segunda-feira, 16 de março de 2009

Fernando Lyra conta tudo que sabe


Em março de 1983, o então deputado federal pelo PMDB, Fernando Lyra, foi assistir à posse de Tancredo Neves, eleito governador de Minas Gerais. A presença do pernambucano era, por si só, uma surpresa, dado que ambos ocupavam lados opostos no espectro político do partido. Mas o mais inesperado foi o motivo real de sua ida a Belo Horizonte, confidenciado numa conversa particular, após a posse. Lyra estava ali para anunciar que Tancredo era seu candidato na ainda futura e incerta eleição para a Presidência da República. Esse é o ponto de partida do livro “Daquilo que Eu Sei - Tancredo e a transição democrática”, que o presidente da Fundação Joaquim Nabuco, Fernando Lyra, lança, hoje, no Paço Alfândega, a partir das 19h.
Lyra era integrante dos chamados “autênticos”, ala do PMDB mais ligada às esquerdas, movimentos operário e estudantil, que defendiam uma postura mais agressiva contra o regime militar. Tancredo era dos “moderados”, grupo dominante, formado principalmente por quadros remanescentes dos antigos PSD, PTB ou PSB, que tinha uma linha mais branda e negociadora.
A escolha se dava por uma análise de conjuntura feita pelo pernambucano. A ditadura dava claros sinais de esgarçamento, os militares já não tinham a capacidade de conter as movimentações democráticas, mas ainda dominavam as instituições, o Congresso Nacional, e alguns deles ainda não engoliam a transição. No entender de Lyra, o próximo presidente, mais ainda, o candidato do PMDB, precisaria ser alguém de extrema capacidade de negociação e coerência. E ninguém mais do que Tancredo atendia a esse requisito.
Que não se espere de Fernando Lyra didatismo, multiplicidade de pontos de vista. “Daquilo que eu Sei” é, antes de tudo, um depoimento personalíssimo, de alguém que não só viveu um dos momentos mais importantes da história recente do País, como também foi um dos líderes desse processo. A imparcialidade do autor em suas memórias é, antes, a imparcialidade concedida pelos anos, pelos fatos revisitados.
É assim que Lyra relata o duro périplo após convencer Tancredo, já trabalhando com a alternativa das eleições indiretas, prevendo a falência do movimento popular que ganhava as ruas de todo o País. “As ‘Diretas’ haviam tomado conta do espírito do povo brasileiro, mas a verdade é que o Congresso não representava a opinião pública e, para ser sincero, até hoje não representa”, afirma, sem esconder a decepção.
O livro de Lyra abarca uma fase da história brasileira ainda pouco explorada nas prateleiras de nossas livrarias: o esgarçamento da ditadura militar, a transição democrática; a traumática morte de Tancredo, o homem sobre cujos ombros foram depositadas as esperanças de uma nação, a poucos dias de sua posse; o difícil Governo Sarney, que operou ainda sob a sombra e o olhar desconfiado de uma ala militar ainda sequiosa de poder. Nesse governo, Lyra foi nomeado ministro da Justiça, cargo no qual passou parcos 11 meses. Na pasta, ele contribuiu para a solidificação da transição.


Folha de Pernambuco

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